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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

As fadas da França - Alphonse Daudet


Acusada, levante-se! - disse o presidente.

Fez-se um movimento no horrível banco das incendiárias, e uma coisa informe e trêmula veio se apoiar contra a barra. Era uma trouxa de trapos, de buracos, de pedaços, de cordinhas, de velhas flores, de velhos penachos, e sob tudo isso um pobre rosto fanado, desgastado, enrugado, arruinado, no qual a malícia de dois olhinhos negros tremulavam entre as rugas como um lagarto na rachadura de um velho muro.


Como se chama? - perguntaram-lhe.


- Melusina.


- Como?!


Ela repetiu gravemente:


- Melusina. (1)


Sob seu espesso bigode de coronel de Dragões, o presidente deu um sorriso, mas continuou sem pestanejar:


- Sua idade?


- Não sei mais.


- Sua profissão?


- Eu sou fada!...


O auditório, o conselho, o próprio comissário do governo, todo mundo começou a gargalhar, devido ao espanto, mas isso não a melindrou nem um pouco e, com sua vozinha clara e tremulante que elevava-se alta na sala e planava como uma voz de sonho, a velha continuou:


"Ah, as fadas da França... onde estão elas? Todas mortas, meus bons senhores. Eu sou a última, não resta nenhuma além de mim... De fato, é uma grande perda, pois a França era bem mais bela quando ainda tinha suas fadas. Éramos a poesia do país, sua fé, seu candor, sua juventude. Todos os lugares que frequentávamos, o fundo dos parques cheios de vegetação, as pedras das fontes, as torrezinhas dos velhos castelos, as brumas dos lagos, os grandes terrenos pantanosos ganhavam com nossa presença algo de mágico e engrandecedor. Sob a luminosidade fantástica das lendas, éramos vistas por todos os lados, arrastando nossas saias num raio de luar, ou correndo nos prados na fímbria das plantas. Os camponeses nos amavam, nos veneravam.


Nas imaginações ingênuas, nossas frontes coroadas de pérolas, nossos bastões, nossas varinhas-mágicas misturavam um pouco de temor à adoração. Além disso, nossas fontes mantinham-se sempre límpidas. As charruas não ultrapassavam os caminhos que guardávamos; e como infundíamos o respeito pelo que é antigo - nós as mais velhas do mundo - de uma ponta à outra da França deixava-se as florestas crescerem, as pedras se desfazerem por si mesmas.


Mas passou-se o século. Chegaram as estradas de ferro. Túneis foram abertos, lagos aterrados, cortaram-se tantas árvores que rapidamente ficamos sem saber onde nos enfiar. Pouco a pouco os camponeses deixaram de crer em nós. De noite, quando batíamos em seu postigo, Robin dizia: "É o vento" e voltava a dormir. As mulheres vinham lavar roupa em nossos lagos. À partir daí foi o fim para nós. Como vivíamos da crença popular, sem ela tudo perdemos. A virtude de nossos bastões evaporou-se e, de poderosas rainhas que éramos, vimo-nos de repente transformadas em velhas mulheres, enrugadas, maldosas como fadas que se esquecem. Acrescente-se a isso a necessidade do pão a ganhar e mãos que nada sabiam fazer. Durante algum tempo éramos encontradas nas florestas, arrastando fardos de lenha seca ou juntando punhados de espigas à beira das estradas. Mas os empregados florestais eram duros conosco, os camponeses nos jogavam pedras. Então, como os pobres que não encontram como ganhar a vida em sua região, fomos buscar trabalho nas grandes cidades.


Algumas de nós se empregaram nas indústrias têxteis. Outras venderam maçãs no inverno, sob as pontes, ou rosários à porta das igrejas. Empurrávamos carrocinhas de laranjas, estendíamos aos passantes buquês custando centavos, que ninguém queria, e os pequenos riam-se de nossos queixos tremulantes, e os policiais nos faziam correr, e as carroças públicas nos derrubavam. E mais a doença, as privações, uma cama de hospital... Eis como a França permitiu que todas as suas fadas morressem. Ela bem recebeu o que merecia por isso!


Sim, sim, riam meus bravos senhores. Esperando, acabamos de presenciar o que é um país que não possui mais fadas. Vimos todos esses camponeses saciados e zombeteiros abrirem suas arcas aos Prussianos e indicar-lhes as estradas. Vejam! O Robin não acredita mais nos sortilégios, e muito menos na pátria... Ah, se estivéssemos aqui, nós fadas, nenhum desses alemães que entraram na França sairiam vivos. Nossos familiares (2), nossos fogos-fátuos os teriam conduzido às areias movediças. Em todas as fontes puras que traziam nossos nomes teríamos misturado poções mágicas que os tornariam loucos; e em nossos sabás, sob a luz da lua, com um encantamento teríamos tão bem confundido as rotas, os rios, tão bem misturado as sarças, as urzes, esses fundos de bosques onde eles iam sempre se esconder, que os pequenos olhos de gato do Sr. de Moltke (3) não poderiam jamais serem ali percebidos. Conosco os camponeses teriam se movimentado. Das grandes flores de nossos lagos teríamos feito bálsamos para as feridas, os fios do manto da Virgem nos serviriam de pensos; e, nos campos de batalha, o soldado prestes a morrer teria visto a fada de sua região se inclinar sobre seus olhos semicerrados para mostrar-lhe um canto de bosque, um atalho, qualquer coisa que o lembrasse de sua terra natal. É assim que se faz a guerra nacional, a guerra santa. Mas, ai de mim!, nos países que não mais crêem, nos países que não mais possuem fadas, esse tipo de guerra não é possível".


Aqui a vozinha aguda se interrompeu um instante e o presidente tomou a palavra:


- Tudo isso não esclarece o que fazia do petróleo que encontramos com você quando os soldados a pararam.


- Eu queimava Paris, meu caro senhor - respondeu a velha tranquilamente. - Eu queimava Paris porque a odeio, porque ela ri de tudo, porque foi ela que nos assassinou. Foi Paris que enviou estudiosos para analisar nossas belas fontes milagrosas e dizer a quantidade exata de ferro e de enxofre que continham. Paris nos ridicularizou em seus teatros. Nossos encantamentos viraram truques, nossos milagres brincadeiras vulgares, e viram-se tantos rostos ignóbeis passarem portando nossas vestimentas rosadas, nossas vassouras mágicas, no meio da luz da lua em fogos de artifício, que não se pode mais pensar em nós sem rir... Havia criancinhas que nos conheciam por nossos nomes, nos amavam, nos temiam um pouco. Mas no lugar dos belos livros ornados em ouro e imagens onde aprendiam nossa história, Paris agora põe a ciência ao alcance de suas mãos, grossos livros dos quais eleva-se o tédio como uma poeira cinzenta e apaga dos pequenos olhos nossos castelos encantados e espelhos mágicos... Oh, sim! fiquei contente de vê-la queimar, sua Paris... Era eu quem enchia as garrafas das incendiárias e as conduzia pessoalmente aos melhores locais: "Vão minha filhas, queimem tudo, queimem, queimem!..."


- Decididamente, esta velha é louca - disse o presidente. - Levem-na.



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Notas:



1 Melusina (Mélusine no original) é um nome freqüente entre as fadas nas lendas celtas. Melusina é também uma personagem lendária da Idade Média; ancestral mítica da Casa de Lusignan, estava condenada cada semana a se transformar parcialmente em serpente.


2 Na Idade Média considerava-se que as bruxas possuíam "espíritos familiares", ou seja, criaturas de origem sobrenatural que estavam a seu serviço. Um exemplo de familiar é o gato preto, sempre associado a elas na mitologia e na iconografia.


3 Moltke (Helmuth Johannes, Conde von). Parchim 1800 - Berlim 1891. Marechal prussiano, discípulo de Clausewitz, chefe do Estado-Maior de 1857 à 1888, foi o criador da estratégia prussiana. Comandou em 1864 a guerra dos Ducados; em 1866 a guerra austro-prussiana e em 1870/1871 a guerra franco-alemã.



Esta tradução foi publicada originalmente no site Bestiário

Tradução de Saint-Clair Stockler