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quinta-feira, 7 de março de 2013

Leveza

Tenho um "defeito" que, na verdade, acho que é uma "qualidade". Determinada pessoa pode fazer parte da minha vida profundamente, pode ser durante um período - longo ou breve - a coisa mais importante para mim. Mas se for necessário, por "n" motivos diferentes, posso "desligar" tal pessoa de dentro de mim, praticamente me esquecendo dela. E, não, esse esquecimento não é uma coisa metafórica. Chego a apagar da minha consciência até mesmo a coisa mais básica de um ser humano, aquilo que o define mais claramente em nosso mundo do Samsara: seu nome. É como se eu me esvaziasse daquela pessoa, me esvaziasse completamente, como se a pessoa fosse vaporizada do horizonte da minha mente. Não é um processo fácil, mas também não é doloroso. Simplesmente acontece, desde que me decida, embora leve um certo tempo para acontecer. Meu queridíssimo amigo Miguel Nada me disse certa vez, com muito jeito, com muito carinho, pois ele gosta muito de mim, que tenho em mim uma certa "frivolidade", uma certa inconstância. Ele o disse, repito, de um jeito muito british-like, muito delicado, porque o Miguel é um lorde português, então acho que ele preferiria ter a cabeça cortada a ferir as suscetibilidades de uma pessoa. No que me diz respeito, adoro que ele tenha me falado isso. Só boto um pequeno reparo: não é bem frivolidade, nem frieza - é leveza. O que tenho notado nesses meus 40 anos de vida é que as pessoas vão carregando dentro de si outras pessoas (e não só pessoas; também eventos, e sentimentos, e impressões, e mais um leque de outras coisas), vão armazenando pessoas durante toda a vida, as vão empilhando umas sobre as outras dentro de si, a tal ponto que quase chegam a caminhar fisicamente curvadas, porque o peso é demais, o peso é opressor embora em geral não se deem conta disso, e nem dão conta de que estão carregando essa multidão toda, uma legião, dentro de si. Eu, ao contrário, tenho a minha leveza que também é, mas não apenas, frivolidade. Vou me desvestindo das pessoas, vou largando-as aos meus pés como quem tira uma roupa que ficou pesada e não é mais necessária e começa a machucar a pele que é minha, e no fundo acho que isso é até mesmo um sinal de respeito por elas. É muito triste quando você aprisiona as pessoas no interior de si mesmo. É muito ofensivo, não é respeitoso. As pessoas não foram feitas para serem enjauladas umas dentro das outras.